quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Nosso ato não será gigante

Nosso ato não será gigante

Dia 29 de Setembro estaremos todas de braços dados contra o fascismo, mas nosso ato não será gigante. Nenhum gigante será desperto de seu sono. A imagem do gigante evoca uma grandeza opressora, um leviatã amedrontador, capaz de pisotear os pequenos e frágeis. Nessa metáfora não há espaço para a diferença, e sua potência parece medir-se apenas por seu tamanho.

Nosso ato será infinito, se espalhará para muito além de onde nossos olhos podem ver. Será como o céu acima de nossas cabeças, esse manto tão imenso a nos lembrar: todas habitamos esta terra. Será mar, horizonte infinito, ondas potentes que jamais se esgotam: desconhecem a fraqueza. Será solo firme e fértil: toda podridão será adubo para vida. Cada voz a gritar #elenão – alta ou silenciosa – será acolhida como semente de nossa Primavera. 

Carregamos em nossos corpos as marcas de um passado tenebroso: por isso cerramos fileiras para barrar o galope do fascismo.  Estamos construindo um mundo novo dia a dia, com muito afeto, com muito carinho, e não deixaremos o ódio, o rancor, a violência arrancá-lo de nós. 

Nosso ato será eterno, porque assim somos nós. Sobrevivemos a séculos de patriarcado, suportando na alma e na carne violências, repressões, desprezos, silenciamentos. Mas jamais exterminaram nossa potência. De boca em boca, em conversas de pé de ouvido, gestos silenciosos, a sabedoria de nossas ancestrais hoje ressoa em cada uma. Quando nos olhamos nos olhos e nos reconhecemos como irmãs, damos início à nossa revolução. 

Esse ato é de todas as mulheres. Das mulheres nascidas em corpo de mulher e também daquelas que construíram este corpo porque nele se reconhecem. É das mulheres que nasceram com este corpo e desejaram transformá-los. É das mulheres de todas as cores, de todos os tamanhos. É de todos os homens sem medo de encontrar o feminino dentro de si e daqueles que honram e respeitam as mulheres a seu redor. Em nossa revolução, o respeito a uma é o respeito a todas, a todos. Nossa revolução é pelo respeito pela humanidade, e pela natureza que nos acolhe. Com amor, coragem e força: #ELENAO!

sábado, 19 de março de 2016

Sobre corrupção, democracia e golpe


Quando nasci, a ditadura vivia seu ocaso, e quando aprendi a ler e a escrever, já era parte do passado. Nunca senti na pele o que eram aqueles tempos, mas as descrições dos livros de história e sobretudo as experiências narradas por familiares e amigos bastavam pra que me sentisse privilegiada por ter nascido em outra época. Aprendi também havia corrupção, e muita! A diferença é que não era possível a denúncia. A única coisa que se “investigava” eram crimes políticos. Descobri que o medo era um sentimento generalizado. Era todo mundo. Uma mulher poderia ser violentada por qualquer agente da lei, seu corpo seria devorado por vermes antes que fosse encontrado, e seu sumiço seria explicável pela menção de que era suspeita de ser comunista. É isso a que chamamos de estado de exceção: quando não há direitos que protegem os indivíduos contra arbitrariedades.

Sempre tive como heróis e heroínas as pessoas que arriscaram suas vidas pra acabar com aquele regime, que construíram um estado democrático de direito. Aliás, faço uma pergunta para quem defende de forma apaixonada o impeachment da presidenta Dilma e a “luta contra a corrupção” a qualquer custo: você sabe o que é um “estado de direito”? De forma simples, significa um regime político no qual a vida coletiva é regida por leis que estão contempladas na Constituição Federal. Significa que, para que um ato seja considerado crime, precisa ser denunciado e julgado por um tribunal. É por isso, por exemplo, que um indivíduo acusado de assassinato não pode ser linchado em praça pública: seu crime precisa ser demonstrado, e o tribunal decidirá qual é a pena que lhe cabe. Isso serve para que nem o Estado, nem os cidadãos, façam execuções sumárias baseadas em suas próprias noções de justiça.

Durante minha trajetória, sempre me pareceu evidente que a vigência do estado democrático de direito era um fato dado. Sempre acreditei que minha luta seria por ampliar esse estado de direito, para que tanto ricos como pobres pudessem ter um julgamento justo. Construí o meu caminho com a certeza de que a luta, agora, seria para garantir os direitos da comunidade GLBT, para erradicar o machismo das nossas estruturas sociais e psíquicas, para que as pessoas historicamente excluídas dos “bens da nossa civilização” pudessem ter acesso à educação, comida, diversão e arte.

Nunca pensei em ouvir na imprensa qualquer coisa que maculasse a inviolabilidade do estado de direito, que se justificasse o não cumprimento da legalidade para a condenação de alguém. Nunca imaginei que precisaríamos voltar a nos unir em praça pública em defesa de pilares básicos da democracia. Jamais previ que choraria por me dar conta de que preciso pensar com que cor de roupa posso sair de casa. Não passou pela minha cabeça que em uma sexta-feira às 08 da manhã eu sairia para correr no parque e sentiria um frio na espinha ao encontrar no caminho a tropa de choque empunhando armas e escudos.

Depois desse preâmbulo, vamos a algumas considerações pontuais, que resumem meu posicionamento nesse momento tão particular de nossa história. Sobretudo, espero dialogar com quem tem sustentado um posicionamento diferente do meu, mas que sei que também está comprometido com a ideia de construir um mundo cada vez mais justo.

1)    Ameaça ao estado de direito: As transformações sociais são lentas, por isso precisamos prestar atenção nos sinais, nos indicativos de tendências. A divulgação dos grampos feitos durante a operação Lava-Jato foi ilegal, muitos magistrados têm chamado a atenção para isso. Tanto o Juiz Sérgio Moro quanto boa parte da imprensa, insistem em dizer que o conteúdo das gravações é mais importante do que o fato de serem ilegais. Primeiro, não há nenhum indício de crime nas ligações divulgadas; isso bastaria para justificar que não fossem veiculadas. Em segundo lugar, no telefonema considerado mais importante, entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, houve uma manipulação do sentido, com distorção de palavras. A Rede Globo continua insistindo que o documento enviado a Lula com o texto de sua nomeação como ministro deveria servir como salvo-conduto. No entanto, como ficou demonstrado por ocasião do pronunciamento da presidenta Dilma, o documento não estava assinado por ela, portanto, não poderia ser usado para tal fim. O documento foi enviado para que o presidente Lula pudesse assiná-lo antes, caso não pudesse comparecer na cerimônia de posse. A mídia fora avisada, e ainda assim, construiu essa versão. A Globo insisti na tese de que a gravação é muito séria pois revela a intenção de obstrução de justiça. O que temos aqui são dois crimes graves: a divulgação ilegal de escutas e a manipulação de dados para a construção de uma informação equivocada.

2)    Sobre o Golpe: Há muitas formas de acontecer um golpe. Não é apenas quando o exército toma as ruas e impõe à força um regime ditatorial. Aliás, isso foi apenas uma parte do que aconteceu em 1964. Primeiro, cria-se uma imagem distorcida da realidade, dando a ideia de que se vive num caos absoluto; depois, se apresenta uma possibilidade de salvação. A primeira coisa a se considerar é que sempre há interesses em jogo. Tanto no início da década de 1960 como agora, houve um crescimento importante da esquerda e de seu projeto econômico, que ameaçava reduzir os privilégios do grande capital nacional e estrangeiro. Por exemplo, desde a descoberta do pré-sal, o Brasil vem sofrendo ataques por parte da imprensa internacional, especialmente aquela vinculada a setores interessados em sua privatização (veja na plataforma wikileaks documentos que atestam isso - eu tinha colocado o link direto para essas informações, mas aí o Facebook bloqueou o compartilhamento!). A reeleição de Dilma frustrou essas expectativas. Desde então estamos sendo bombardeados com a proposta de impeachment, que está mais assentada na ideia generalizada de que está tudo errado do que em evidências legais. O único argumento concreto é o das pedaladas fiscais que, prática recorrente, é considerada uma opção de gestão das finanças do estado. Não há base, portanto, para o impeachment. Paradoxalmente, a imprensa vem encorajando sistematicamente uma revolta popular que ataca o governo, com o pretexto de combate à corrupção. As informações são apresentadas de forma parcial, dando a ideia de que o PT é a causa de todos os problemas do país. Um golpe ocorre quando as pessoas são convencidas a acreditar em uma coisa e agir de modo a beneficiar quem constrói esse discurso. Não creio que todas as pessoas que estão na rua pedindo o impeachment defendem um golpe. Acho que boa parte é muito bem intencionada. Elas também estão sofrendo um golpe, pois são levadas a acreditar em meias verdades. Em uma leitura mais geral da situação, meu diagnóstico é o de que o golpe começou durante as manifestações de junho de 2013, quando a imprensa, de uma hora pra outra, passou a apoiar o movimento, anulou suas pautas originais e o transformou em um protesto “contra a corrupção e contra tudo o que está aí” (à época, escrevi aqui sobre isso). Pegou carona em forças catalizadoras da esquerda e elaborou um discurso de pseudo-unificação do país. Afinal, quem é contra o combate à corrupção? Com isso, conseguiu-se um mote eficiente para despertar ódio, canalizado contra um partido, contra o governo, contra a política. A busca desenfreada pelo lucro não vê cor, não vê ética, não vê pessoas. É uma lógica na qual todos os meios são justificados para alcançar um fim: lucro, dinheiro, poder. É por isso que grandes corporações internacionais apoiam guerras, não importa se justas ou injustas, e é por isso que apoiam ditaduras. Se a democracia estiver sendo rentável, ótimo, que fique. Se um programa de redistribuição de renda estiver dando lucro, porque amplia o mercado consumidor, tudo bem, pode permanecer. Mas quando democracia e a redistribuição de renda passarem a ser um problema, tchau, bye bye, hasta la vista.

Os grupos interessados em desbancar esse governo não hesitam em fazer parcerias com indivíduos com quem provavelmente não gostariam de jogar golfe, como os Bolsonaros da vida e seus apoiadores. O grande capital não se importa se há ou não legalização do aborto, se há ou não união homoafetiva. A rede globo bota beijo gay na novela porque dá audiência. Mas a questão é: nessa intenção de derrubar o governo a qualquer preço, ganha voz e legitimidade quem quer a volta da ditadura, quem não liga pra direitos sociais, quem acha que Bolsonaro deve ser o herói da nação. O grande capital não se importa de abrir a caixa de pandora, desde que isso lhe garanta a remoção dos  obstáculos aos seus interesses. O problema de negociar a alma é que chega uma hora em que se sente o mal roçando os pés. Acho que o editorial da Folha do dia 18 de Março mostra isso: Opa! Ilegalidade pode ser demais, pois ilegalidade para um pode acabar sendo pra todos. Talvez chegue um ponto em que ninguém consiga controlar Moro, que ninguém consiga controlar o ódio, ninguém consiga fazer frente a essa ideia de que em nome do combate à corrupção pode-se suspender todos os direitos.

3)    Sobre a corrupção: Eu votei no PT muitas vezes e defendo a importância dos programas sociais realizados nesses anos de governo, mas não estou dentre aqueles que acham que práticas de corrupção o isentem de julgamento. Continuo pensando que os fins não justificam os meios. Práticas ilegais estão sendo investigadas e muitos já foram condenados. Isso é combater a corrupção. O que nao se deve é colocar a lupa apenas sobre um partido num contexto de práticas de corrupção que perpassam a maior parte dos partidos e instituições públicas. Isso cria a ideia de que acabar com a corrupção é derrubar este governo. Não é. Durante este governo aconteceram as mais amplas investigações contra esquemas de corrupção. Ao contrário de momentos precedentes na história, os acusados estão sendo julgados e penas aplicadas. O intolerável são execuções sumárias, desrespeito aos procedimentos legais, o enviesamento do foco e o linchamento público. É inadmissível a instauração de um impeachment sem fundamento legal e a hipocrisia de uma comissão formada por indivíduos investigados por esquemas de corrupção.
4)    A crise: estamos atravessando uma dupla crise, econômica e política. Tornou-se pouco vantajoso para os partidos da base apoiar um governo que esta sob os holofotes da crítica pesada. Tem também o combate à corrupção, que está mexendo com as estruturas. Se o processo estivesse ocorrendo de forma sensata, sem tentativas forçadas de derrubar o governo, teríamos mais estabilidade. Sobre a crise econômica, ora pois! O governo pode não ter tomado as melhores decisões,  e não sei quais poderiam ter sido, por outro lado, tenho certeza de que o caminho não é o sugerido por seus detratores, não é o da austeridade, não é o da privatização, não é o da redução das políticas sociais, não é o seguido pela Itália, Portugal, Grécia. Em virtude de meu trabalho como pesquisadora na área de sociologia, fui convidada para falar em universidades estrangeiras e pude ver de perto, ao longo desses anos, o aprofundamento da crise econômica que resultou da adoção das políticas liberais: desemprego epidêmico, nenhum horizonte para os jovens, desmonte do estado de bem estar social, crise nas universidades, fome. Aqui, conseguimos resistir à primeira onda da crise, com uma política econômica que focava no crescimento e no investimento público. Deu certo por um tempo, mas a conjuntura política e econômica internacionais chegaram num ponto difícil de resistir.

5)    Mea-culpa: todo momento de crise abre a oportunidade para o novo, para renovar crenças, criar outras práticas, fazer um balanço do passado e sonhar com um futuro diferente. A tomada das ruas no dia 18 de março, em defesa da democracia, traz a esperança de que estamos juntos e somos muitos. Para que os ideais de justiça e liberdade continuem no nosso horizonte, precisamos fazer um esforço coletivo de reflexão. Precisamos entender onde falhamos, por que a derrubada da ditadura não bastou para consolidar a democracia como um ideal inabalável e universal do nosso país. Gostaria de concluir compartilhando algumas considerações, que são um convite para pensar sobre o futuro. O PT falhou com seus militantes ao negociar princípios, ao não ouvir de modo radical as suas bases. Certos assuntos essenciais para estruturar uma visão de mundo de esquerda não poderiam ter sido negligenciados: questões ecológicas, morais, educação, política de ciência e tecnologia. No caso da universidade, por exemplo, a transformação do meio acadêmico em um mercado ranqueado terá consequências nefastas para a produção da ciência de base e para o desenvolvimento do espírito crítico, porque o tempo da pesquisa e do pensamento estão sendo corroídos pelo produtivismo. Em relação à educação de forma mais ampla, temos pelo menos dois problemas sérios: o baixo incentivo salarial e a falta de uma educação que ensine a pensar. Nós, enquanto sociedade, falhamos em educar os indivíduos com uma forte crença no estado de direito e na importância da justiça social. Se quisermos que nossa democracia se aprofunde, precisamos trabalhar duro, para que ela se torne uma crença para todo brasileiro e toda brasileira. Só a partir dessa crença compartilhada no seu valor indiscutível poderemos ter um ambiente estável para travar nossas batalhas. Todos nós que estamos à esquerda do espectro político precisamos superar disputas fratricidas para construir lutas fraternais.


Temos diante de nós uma nova oportunidade de aliar forças na construção de um país melhor, cerrar fileiras contra um inimigo comum. Que tenhamos serenidade para aproveitar esse momento.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O “caso Bolsonaro” como sintoma da crise dos Direitos Humanos enquanto Ideal Contemporâneo

       Foto: Paulo Peres 



Até o presente momento, nunca havia recebido tantos pedidos para assinar uma petição como hoje, pedindo a cassação do mandato do deputado federal, Jair Bolsonaro. Isso mostra que nem tudo está perdido. Que a nossa “consciência moral” foi gravemente ofendida, e que estamos reagindo a isso. Mas, “nossa”, qual? Quem são as pessoas que se revoltam contra a atitude de um deputado que, do alto da tribuna, fazendo uso de sua prerrogativa de representar o povo, afirma que o único motivo pelo qual não estupraria sua colega parlamentar é porque ela não “merecia”. Não é o tipo de mulher que o atrai; se o fosse, seria digna de ser estuprada.

Eu penso no que aconteceu, e custo a acreditar. Não é possível que tenha sido a declaração de um deputado, um representante eleito pelo povo, na casa que deveria legislar, respeitando os parâmetros da nossa constituição. Como é possível que não lhe tenha sido tomada a palavra pelo presidente da sessão? Como é possível que colegas da Deputada Maria do Rosário, homens e mulheres, da mesma base ou da oposição, não tenham se levantado indignados, demonstrando o mais veemente repúdio? Tem alguma coisa muito errada acontecendo pra que a gente precise de uma petição pra ver se algo será feito, incluindo cassação por quebra de decoro e mesmo uma punição criminal. Liberdade de expressão é um direito conquistado a duras penas, e está sendo banalizado, como um escudo para proteger quem comete crimes de ódio, racismo, misoginia. As palavras, quando ditas, ainda mais quando ditas publicamente, são reais, têm poder de libertar, mas também de ferir, de desferir golpes mortais, golpes que atacam a dignidade à qual todo ser humano tem direito.

Infelizmente, acredito que o “caso Bolsonaro” é apenas mais um triste e aviltante processo que está em curso não apenas no Brasil, mas também em quase todos os países da Europa, nos Estados Unidos e em todos os lugares que tentaram construir a sua identidade moral baseada sobre o princípio fundamental da dignidade humana. Se somos diferentes e acreditamos em coisas as mais diversas, pairava no ar a (ilusão) de um consenso: a de que a vida humana tem valor absoluto, um dogma do qual se pôde extrair diversos outros postulados, como a igualdade de gênero, liberdade de viver segundo a orientação sexual, políticas de redistribuição de renda, etc. etc. etc. Reivindicações de colorações distintas, baseadas em diferentes fundamentos filosóficos, religiosos, culturais, jurídicos. Mas é esse dogma, sem o qual perdemos a nossa identidade, que está sob fogo cruzado. É ele que está em xeque quando não há uma reação imediata e massiva contra as declarações de Bolsonaro.

E é ainda mais grave porque não se trata de um pensamento isolado, de um criminoso ensandecido. Ora, há tempos se sabe que toda sociedade tem indivíduos criminosos, e não há como ter a ilusão de que uma sociedade sem crimes seja possível. Mas esse tipo de comportamento criminoso, que consiste em palavras e atos que ofendem diretamente o que há de mais sagrado (ou ao menos que se tinha a ilusão de que assim o fosse) nessa coletividade tão plural a que chamamos de “nosso país”, ou “Brasil” está tomando proporções alarmantes. Não são casos isolados, prontamente combatidos. É uma visão de mundo que adquire legitimidade pelo voto popular, que elege Bolsonaro como o deputado mais votado em seu estado. O sentimento que tudo isso me desperta é que nós – as pessoas que acreditam que toda vida tem valor absoluto, que ameaça ao corpo e à dignidade de qualquer ser humano é crime – falhamos em algum ponto. Talvez tenhamos acreditado que se tratava de um princípio universal e auto-evidente, fundado na natureza humana e garantido como cláusula pétrea de nossa constituição. Esquecemos que esse nosso ideal sagrado só é sagrado porque foi criado e consagrado por nós, as pessoas, que com muita luta e muito sangue derramado conseguiram erigir tal princípio ao estatuto de padrão de medida, de pedra angular sobre a qual construímos novas crenças e travamos novas e constantes disputas.


É por isso mesmo que precisamos tomar consciência de tudo o que está em jogo em fatos como esse. É preciso perceber o quanto as coisas dependem de nós pra continuar a existir, de nosso comprometimento cotidiano, do empenho em reformas no sistema educacional, das coisas que compartilhamos, dos livros que lemos, dos programas que escolhemos assistir, das palavras que dizemos. É uma luta de cada dia, que demanda a coragem e a sabedoria pra mudar as milhares de injustiças que continuam a existir, e que jamais teremos consenso a respeito de como devemos viver – ainda bem! – mas sem perder de vista que há um trabalho tremendo a se fazer para que o próprio terreno sobre o qual travamos essas lutas não se desintegre, sugado pelas forças obscurantistas que crescem e nos rondam o tempo todo. Se as grandes religiões encontraram nos vários ritos periódicos uma forma para renovar a fé nas crenças que as sustentam enquanto comunidade moral, é preciso que encontremos as nossas próprias práticas, os nossos próprios ritos, que nos relembrem porque acreditamos no que acreditamos. Talvez o debate público e a mobilização de repúdio a crimes como os de Bolsonaro, pela via da assinatura de petições, seja uma dessas muitas práticas, que precisamos para lembrar a nós mesmos no que acreditamos, e para dizer em voz bem alta, que estamos dispostos a lutar por isso.

domingo, 23 de junho de 2013

Que diable est-il en train d'arriver ? Une analyse en trois actes.


Tradução de Thierry Thomas, publicada no blog http://thitho.allmansland.net, a partir da publicação original [em português] publicada no site www.socionautas.com.br

Que diable est-il en train d'arriver ? Une analyse en trois actes.

Face à la multitude qui s'est emparée des rues dans plusieurs villes de notre pays, lundi dernier 17 juin, le thème qui revenait le plus souvent dans la presse était l'indignation envers les événements. Qui sont ces gens ? Que veulent-ils ? D'où ont-ils surgi ? Journalistes, scientifiques, politiciens, tous s'interrogent à ce sujet. Répondre à ces questions ne sera pas chose facile, et je ne pense pas qu'il existe une réponse unique et définitive, d'autant plus qu'il s'agit d'un mouvement en cours. Mais ceci ne peut être une excuse pour ne pas chercher à comprendre, et ce que je propose ici est une tentatitve d'analyse à partir du répertoire théorique que je considère adéquat, dans le cadre d'une approche proprement sociologique, et considérant des événements, des idées, des déclarations et des actions avec lesquels nous avons eu des contacts, et qui nous ont amenés à la construction de ce dialogue conjoncturel. L'analyse en trois actes qui suit prend en compte non les manifestations en tant que phénomènes isolés, mais la situation dans laquelle elles se trouvent inscrites, observe les différents acteurs qui agissent et réagissent aux protestations. Chaque acte correspond à différents moments de ce processus et attire l'attention sur différents aspects qui y sont liés.

Premier acte : Pour 20 centimes.

Les manifestations qui protestaient contre l'augmentation des tarifs de transport de bus ont beaucoup gagné en visibilité à travers tout le pays, surtout en raison de l'énorme volume de personnes qui descendirent dans les rues pour exprimer leur mécontentement. Dans les médias, dans les couloirs, de tout côté, on entendait les personnes se demander : tout ce « boucan, c'est vraiment pour 20 centimes ? ». Et bien, oui. C'est-à-dire, plus ou moins. C'est l'objectif le plus évident, mais ce n'est pas un objectif qui serait venu de nulle part, d'un jour à l'autre. Et ce n'était pas l'unique objectif des manifestations. Plusieurs autres manifestations traversent le pays, et même le monde, pour le dire vite, avec les revendications les plus variées, depuis les plus explicites, comme dans le cas de la « marche de l'herbe », jusqu'à des mouvements plus complexes comme Occupy au États-Unis d'Amérique.
Dans le cas particulier du Brésil.ce que nous avons besoin de comprendre, c'est que depuis longtemps déjà, existe un mouvement infatigable de la société civile, mais sous des formes que nous n'avons pas l'habitude de considérer comme des formes d'action « réellement politiques », parce qu'elles échappent aux modèles traditionnels de « médiation ». Ce ne sont pas des partis, ni des mouvements sociaux structurés de formes plus traditionnelles, avec des structures hiérarchiques et des formes d'organisation centralisées et bien claires.

Il s'agit d'un autre univers qui, pour le regard d'un observateur non-averti, fait penser à « une bande de jeunes qui font la fête », ou quelque chose de ce genre. Des expressions apparaissent, qui ne correspondent pas aux analyses traditionnelles concernant la vie politique : collectifs, horizontalité, intervention urbaine. Les noms les plus bureaucratiques et les plus sérieux qui évoquent les partis et les mouvements sociaux traditionnels cèdent la place à des appellations moins prétentieuses, dont le sens, le plus souvent, n'est pas explicite : « L'amour existe à São Paulo », « Mouvement passe libre », « En dehors de l'axe », « À la dérive », « Masse critique », « Bande culturelle », et ainsi de suite.

Soit ! Ils n'ont pas d'organisation hiérarchique, ni ne veulent assumer la forme d'un parti. Mais alors que veulent-ils ? La réponse, cependant, est sans doute aussi variée qu'il existe de ces « mouvements ». Pour autant, il est peut-être possible d'ébaucher une certaine manière de penser une unité : ce sont des personnes, dans la plus grande partie des cas « jeunes », qui se réunissent parce qu'ils partagent une vision du monde, avec l'intention d'inférer d'une certaine manière dans l'ordre des choses. En général, ils promeuvent de nombreux événements et discussions au cours desquels les causes que chaque mouvement défend sont débattues : cela peut être la mobilité urbaine, la lutte pour la légalisation de l'avortement, de la promotion de causes identitaires, etc. etc. etc.  Le point de départ est toujours le diagnostic d'un mal, soit dans la ville, soit dans l'Etat, soit dans le pays, voire même dans le monde entier.

Les « ennemis » combattus par ces mouvements ne sont pas aussi facilement identifiables que par le passé. Serait-ce une réponse au manque de sens qui caractérise notre monde contemporain ? L'absence d'un « ennemi unique » contre lequel lutter n'a cependant pas comme conséquence l'absence de proposition ou l'absence d'une cause concrète. L'ennemi n'est plus « la dictature ». Ils valorisent la démocratie, et ne sont d'ailleurs possibles que parce que la démocratie existe. Ils ne veulent pas en finir avec elle, ils ne veulent pas dire « tout cela est une saloperie, jetons tout et recommençons à zéro ». Ils veulent, bien au contraire, prendre position face aux milliers de problèmes concrets qui ne sont pas résolus par la simple existence d'une démocratie. De fait, nous le savons, la démocratie n'est jamais qu'une forme, dont le contenu est construit par les personnes qui y vivent, les personnes qui ont la responsabilité de penser sur ce que nous voulons, sur les conséquences des lois, des pratiques, des politiques publiques.

Il s'agit de mouvements qui, donc, s'emparent de la démocratie, mais ne se contentent pas de laisser les décisions sur tous les sujets dans les mains des représentants élus. Mais ils ne sont pas contre les partis. Ils ne veulent pas abolir, ni remplacer le rôle joué par les partis. Sans doute existe-t-il ici une autre conception de la démocratie : il ne s'agit plus de la démocratie représentative, du type, j'ai voté, et je ne me préoccupe plus de rien, ni d'une démocratie au sens strict. Il s'agit de l'idée selon laquelle la politique se fait tous les jours, par tout le monde. C'est la réaction aux injustices sociales et aux attaques identitaires commises quotidiennement, et qui finissent par être telles qu'elles deviennent loi : l'augmentation du prix du transport public, les légisations sur l'avortement, les lois qui traitent de l'homosexualité comme une maladie, et ainsi de suite.

Dans le contexte de ces groupes, c'est une manière de s'organiser autour de valeurs partagées qui sont réévaluées et réfléchies. Et, naturellement, beaucoup d'objectifs sont transversaux, sont partagés par plusieurs mouvements différents et représentent la vision du monde de nombreuses personnes. C'est un peu ce qui est arrivé tout récemment avec l'augmentation des tarifs de bus : à travers tout le pays, il y avait déjà beaucoup de groupes mobilisés qui réfléchissaient sur les différentes décisions politiques, s'enrichissant de discussions profondes sur le sens de l'espace public et la question de la mobilité. Quand des gouvernements municiapux annoncèrent un peu partout qu'ils allaient augmenter le prix d'un service qui était déjà fort peu accessible, le mouvement a gagné une force inimaginable. Il s'agissait de personnes qui adhéraient déjà à cette cause et qui possédaient un grand pouvoir de mobilisation rendu visible, naturellement, par les réseaux sociaux. Il s'agissait d'une cause considérée juste par une large partie de la population, ce qui a mené beaucoup de gens dans les rues, à cause de 20 centimes.

Deuxième acte : les étudiants bruyants et les gens bien pensants.

La conséquence inévitable d'une revendication qui conquiert de nombreux adeptes et qui n'a pas de résultat est, évidemment, la protestation. Et protester, dans ces cas, ne se fait pas seulement sur Facebook ou Twitter. Ce sont bien sûr des plates-formes importantes, d'échange d'idées et de mobilisation. Mais c'est dans la rue, quand elle est prise, que tout se passe. Par là apparaît un fait entièrement nouveau : les individus qui auparavant étaient isolés, ou qui n'agissaient que dans des petits groupes, se réunissent maintenant en une masse conséquente. Ils marchent ensemble, chantent ensemble, rythment ensemble, crient ensemble. Une véritable métamorphose s'opère. Ces idées qui étaient jusque là simplement bonnes et justes se transforment en valeurs ultimes et irréductibles, acquièrent un caractère presque sacré, inviolable. Et les individus se sentent plus forts : ce que chacun est dans le groupe n'est plus la même chose que lorsqu'il était seul. Et tout ce qui est produit dans ce contexte en vient à être investi de cette énergie extraordinaire.

Il s'agit du processus qu'en sociologie on appelle « effervescence collective ». Cette idée a été développée par un auteur qui m'est particulièrement cher : Emile Durkheim. Il décrit ce phénomène en lui attribuant un caractère « dynamogénique ». L'idée de dynamogénie, qui trouve son origine dans la biologie, signifie une altération des fonctions organiques en rapport avec une intense élévation du tonus vital, engendrée par une surexcitation. Les moments de manifestation sont des moments d'effervescence par excellence, des moments au cours desquels tout semble faire sens, l'individu fait l'expérience d'une énergie énorme, et ceci fait en sorte que la cause pour laquelle il lutte devient la chose la plus importante de sa vie, au moins dans ce présent. Selon le même auteur, ces situations d'effervescence peuvent rendre ces individus capables d'actes héroïques inimaginables, mais également d'actes destructifs. Il est impossible de prévoir le cours des choses, et il est difficile de savoir comment chaque individu réagira face à ces situations.

Quel qu'en soit le résultat, l'expérience de prendre part à une manifestation de cette envergure est quelque chose de transformateur, d'inoubliable et que les individus ne veulent pas voir se terminer. Et, de fait, pour que les valeurs envisagées dans ce contexte continuent à avoir le même attrait, il est véritablement nécessaire de revivre périodiquement ces moments, pour nourrir la foi dans ces idéaux. Ceci garantit une continuité du mouvement et même permet qu'il croisse. Mais, évidemment, la prise des rues provoque une autre conséquence : la réaction de ceux qui y voient leur quotidien perturbé. Qui n'y trouve pas son compte, qui ne partage pas la cause, voit dans ces manifestations rien d'autre qu'un obstacle. Et les personnes qui interrompent leur vie pour faire ce genre de choses, ce ne peut être qu'une bande d'étudiants sans occupation, dont le futur est assuré, qui veulent s'amuser et dérangent la vie des citoyens bien pensants qui doivent aller travailler.

Et, face à ce diagnostic, lourdement repris et répété par la « grande presse », il est plus que naturel que les citoyens bien pensants aspirent à l'ordre, ce qui signifie en finir avec le blocage du trafic et tout ce qui interfère dans la routine. Et qui est responsable de l'instauration de l'ordre ? La police, naturellement.
A un moment déterminé, la police ne réagit pas seulement aux situations considérées comme illégitimes [comme des graffiti, des déprédations, par exemple], mais va bien plus loin : elle fait usage de la force [avec tout l'appareil à sa disposition] pour contenir la manifestation elle-même, comme si la manifestation en soi était un acte illégitime. Je fais ici référence au 13 juin dernier, naturellement, à São Paulo. Personne n'a été épargné. Qui que ce fût, quoi qu'il fît, les coups pleuvaient.

Les scènes enregistrées ont heurté à ce point la conscience publique, allant jusqu'à provoquer l'irritation d'organismes internationaux, qu'il fut difficile de considérer ce type d'action policière comme légitime. Il fut difficile d'accepter que le désir d'ordre fût plus important que l'État de Droit, que les Droits de l'Homme, que la liberté d'expression démocratique. Et c'est ici que commence le retournement de cette histoire.

Troisième Acte 3 : Ce n'est pas seulement pour les 20 centimes - C'est pour tout.

Le jour qui suivit la manifestation évoquée plus haut, les moyens de communication, de manière presque miraculeuse (?), commencèrent à raconter de nouvelles versions de l'histoire du mouvement : il y avait eu un problème de respect du côté de la police. Les bons citoyens devaient se mobiliser contre l'arbitraire. Le mouvement est légitime. Les bons citoyens devaient faire partie du mouvement, pour lutter pour un Brésil meilleur, contre la corruption, contre tout. Une vague de patriotisme envahit le pays. Il semblait que chacun se retrouvait dans le sentiment d'appartenance à la nation et voulait faire partie de ce moment historique. Ou de cette grande fête. Même des jeunes qui ne se sont jamais approchés d'une manifestation adhéraient au mouvement, ce qui, en principe, pourrait être quelque chose de très positif. Au vu des centaines de milliers de personnes qui ont pris la rue, c'était la joie de tout côté parce que « le géant s'était réveillé ». Entre vendredi et lundi, quelque chose est arrivé qui a réveillé le pays. La presse qui, auparavant, critiquait amèrement le mouvement, désormais l'exaltait, à pleins poumons. La grande question est : que s'est-il passé ?

Je crois que personne, en pleine conscience, ne croit réellement que ceci puisse signifier une prise de conscience de la part de la presse. Il s'agit, en fait, d'un coup de maître. Nous pouvons recourir à une métaphore pour l'éclaircir. Plutôt que de s'employer de front contre une force opposée à ses intérêts, elle a eu recours à quelque chose de caractéristique des arts martiaux : je n'attaque pas de front, j'absorbe l'énergie et je la rends dans une autre direction. Ce qui renverse l'opposant, c'est la force qu'il a lui-même engendrée. Simple, efficace, génial.

Autrement dit, plutôt que de critiquer les manifestations, les médias les ont transformées en quelque chose qui réponde à leurs intérêts, en incitant une masse de plus en plus grande de personnes à y prendre part. L'effervescence qui était déjà grande est devenue gigantesque. Il faut ici rappeler quelque chose de crucial : l'effervescence est en elle-même neutre. C'est une énergie qui peut créer, conserver ou détruire. Elle confère un caractère de sacralité à n'importe quel idéal qui a les faveurs d'un groupe d'individus. La manifestation n'est pas un lieu de débat, de formation d'opinion. C'est un lieu où les opinions déjà formées se manifestent et gagnent une intensité jusque là inespérée. Et il n'est pas difficile d'imaginer ce qui arrive lorsque les mots d'ordre se comptent par dizaines dans une seule manifestation. Encore plus lorsque les mots d'ordre ne sont pas seulement différents, mais contradictoires. Et quand il ne s'agit pas seulement des mots d'ordre, mais bien de véritables cosmologies (ou de visions du monde, ndt).

Le mouvement qui avait commencé en se positionnant au-delà des partis, mais s'accordant sur des visions de centre-gauche, comptant par ailleurs sur l'appui de partis de gauche, d'un jour à l'autre se vit dépassé par des personnes à leurs côtés qui s'opposaient à la présence de tout parti. Et qui avaient un discours d'opposition au gouvernement brésilien. D'opposition à la présidente de la république. On entendait des cris du genre « Dehors Dilma » (du nom de la présidente, Dilma Rousseff, ndt). Et, face à cela, deux scénarios paraissaient possibles, tous deux très intéressants pour l'opposition : un impeachment, plaçant Michel Temer (le vice-président, conservateur, ndt) dans la ligne successorale, ou la défaite aux prochaines élections pour le centre-gauche, de préférence avec la victoire d'un candidat de centre-droit.

Et comme si l'histoire n'était pas déjà suffisamment compliquée, voilà qu'elle allait se troubler encore. Ce ne sont plus seulement ces acteurs qui sont en jeu. Comme l'affirma Paulo Peres, politologue, ce mouvement a catalysé toute une série d'insatisfactions et a ouvert une « boîte de Pandore », de laquelle tout peut sortir : sans-partis critiques du gouvernement, anarchistes qui trouvent dans la destruction du patrimoine une de leurs formes d'action, skinheads et néonazis qui sont les partis de gauche, noirs, homosexuels et qui sait qui encore... Mais les médias persistent à montrer que les troubles ne sont que le reflet d'une minorité et que le mouvement est beau.

Aujourd'hui, jeudi 20 juin, ces différences sont encore attisées. La lutte pour les 20 centimes est d'ores et déjà gagnée. Les dizaines de mots d'ordre poursuivent leur chemin dans les rues, avec de nouveaux dédoublements. A São Paulo, des agressions entre les manifestants eux-mêmes, en particulier des skinheads et des néonazis. A Rio de Janeiro, des actes extrêmement violents contre des bâtiments publics. A Porto Alegre, la combinaison d'une action démonstrative de la Brigade Militaire et d'actes de déprédation contre de petits établissements commerciaux, réalisées par des personnes que l'on ne peut identifier. On ne sait pas qui ils sont ni ce qu'ils veulent. Le sentiment de tension et d'insécurité nous amène à nous poser des questions sur ce qui est en train de se passer. Chacun donne à sa manière du sens à ce qui arrive. Mais, sans aucun doute, apparaît de tous les côtés une sensation que quelque chose ne va pas.

Aujourd'hui encore, j'ai pris un taxi, où j'ai eu un échange verbal troublant. Le chauffeur m'affirmait qu'il était en faveur de la manifestation. Qu'il pensait, en fait, que l'on devrait tout casser à Brasilia (la capitale du pays, ndt), se débarrasser du gouvernement. Lui demandant qui il faudrait mettre à la place de Dilma, j'ai eu une réponse à laquelle je ne m'attendais pas : « Ca pourrait être un militaire, parce qu'eux au moins ne font pas de politique, et ils remettraient de l'ordre dans cette barraque. » Ni les pétistes (partisans du PT, le parti de Dilma Roussef, ndt), ni les toucans (opposants du PSDB, centre-droit, ndt), ni une victoire de l'extrême-gauche, ni aucun mouvement social.

Pour reprendre une expression de Max Weber, c'est le paradoxe des conséquences. Nous sommes les artisans de notre histoire, mais nos exigences ne sont pas les seules en jeu. Il existe des intérêts de tous types, certains portés par un appareil de propagande et d'investigation au-delà de notre capacité d'imagination. Il est temps pour nous aujourd'hui d'être intelligents. Il est temps d'utiliser notre raison un peu plus que nos sentiments, car il nous faut de la stratégie, de la lucidité. Il est temps, une fois de plus, de prendre l'histoire entre nos mains, de faire un diagnostic sérieux de présent, histoire de parvenir à nous construire un futur où seraient préservées ces valeurs qui nous sont les plus précieuses, parmi lesquelles, la liberté, la liberté responsable, dans le sens le plus profond du temps, la liberté de continuer à exprimer nos exigences et notre vision du monde.

Raquel Weiss
Professeure de sociologie de l'UFRGS.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Que diabos está acontecendo? Uma Análise em três atos




Que diabos está acontecendo?
Uma análise em três atos.[1]



Por Raquel Weiss
            Professora de Sociologia da UFRGS - Socionautas
Contato: weiss.raquel@gmail.com

Diante da multidão que tomou as ruas em várias cidades de nosso país na última Segunda-feira, dia 17 de Junho, o tema mais recorrente que se ouvia na imprensa era a indagação a respeito do que está acontecendo. Quem são? O que querem? De onde surgiram? Jornalistas, acadêmicos, políticos, por todo lado se ouvia esse tipo de pergunta. Responder a essas perguntas é algo bastante complicado, e não creio que exista uma resposta única e definitiva, até porque se trata de um movimento em curso. Mas isso não é desculpa para nos furtarmos a uma tentativa de compreensão, e o que proponho é ensaiar uma análise a partir do repertório teórico que considero adequado, no âmbito de uma abordagem propriamente sociológica, e a partir da consideração de eventos, ideias, declarações e ações com os quais tive contato, e que me levaram a construir esse diálogo conjuntural. Apresento, então, uma análise em três atos, que considera não as manifestações como fenômenos isolados, mas a situação na qual estão inseridas, que contempla os vários atores que agem e reagem aos protestos. Cada ato corresponde a diferentes momentos desse processo e coloca o foco em diferentes aspectos envolvidos.

Primeiro Ato: É Sobre 20 Centavos
As manifestações que protestavam contra o aumento das passagens de ônibus ganharam muita visibilidade por todo o país, sobretudo em virtude do enorme volume de pessoas que foram às ruas para expressar seu descontentamento. Na mídia, nos corredores, por todo o lado, ouvia-se as pessoas perguntando: todo esse barraco é mesmo só por causa de 20 centavos?. Sim, era. Quer dizer, mais ou menos. Essa era a pauta mais evidente, mas não é uma pauta que surgiu assim, do dia pra noite. E nem era o único objeto de manifestações. Várias outras manifestações vem ocorrendo no país, e no mundo, diga-se de passagem, reivindicando as mais diversas causas, desde as mais explícitas, como no caso da chamada marcha da maconha, até movimentos cuja compreensão é mais complexa, como o Occupy, nos Estados Unidos.
No caso específico do Brasil, o que precisamos entender é que já há muito tempo tem acontecido uma movimentação incansável por parte da sociedade civil, mas sob formas que não estávamos acostumados a considerar como formas de atuação realmente políticas, porque fogem dos padrões tradicionais de mediação. Não são nem partidos, e nem movimentos sociais estruturados de formas mais tradicionais, com estruturas hierárquicas e formas de organização centralizadas e bem evidentes.
Trata-se de um outro universo que, para o olhar do observador desavisado, pareceria como um bando de jovens fazendo festa, ou coisa do gênero. Surgem expressões que não são familiares às análises tradicionais sobre a vida política: coletivos, horizontalidade, intervenção urbana. Os nomes mais burocráticos e sisudos que denominam os partidos e os movimentos sociais tradicionais dão lugar a nomes menos pretensiosos, cujo sentido muitas vezes não é explícito: Existe amor em SP, Movimento Passe Livre, Fora do Eixo, “À Deriva, Massa Crítica, Matilha Cultural e assim por diante.
Ok, eles não tem uma organização hierárquica, nem querem assumir a forma de partidos. Mas, o que eles querem? Talvez a resposta seja tão variada quanto a existência desses movimentos. No entanto, talvez seja possível esboçar alguma forma de pensar uma unidade: são pessoas, em sua maior parcela jovens, que se reúnem, em virtude de alguma visão de mundo compartilhada, com a intenção de interferir de algum modo no atual estado de coisas. No geral, são promovidos muitos eventos e discussões nos quais as causas mais caras a cada movimento são debatidas: pode ser a mobilidade urbana, a luta em favor da legalização do aborto, da promoção de causas identitárias, etc. etc. etc. O ponto de partida é sempre o diagnóstico de que alguma coisa não vai bem, seja na cidade, no estado, no país ou mesmo no mundo inteiro.
Os inimigos combatidos por esses movimentos não são tão facilmente identificáveis como em momentos passados. Talvez seja mesmo uma resposta à falta de sentido que caracteriza o nosso mundo contemporâneo. Porém, a ausência de um “único inimigo contra o qual lutar não tem como consequência a falta de propósito ou a ausência de uma causa concreta. O inimigo não é mais a ditadura. Eles valorizam a democracia, e só são possíveis porque existe a democracia. Não querem acabar com ela, não querem dizer isso tudo é uma grande porcaria, vamos jogar tudo fora e começar do zero. Eles querem, muito ao contrário, tomar posição diante dos milhares de problemas concretos que não são resolvidos pela simples existência de uma democracia. Até porque sabemos muito bem, a democracia é apenas uma forma, cujo conteúdo é construídos pelas pessoas que vivem nessa democracia, pessoas que têm a responsabilidade de pensar sobre o que queremos, sobre as consequências das leis, das práticas, das políticas públicas.
Trata-se de movimentos que abraçam a democracia, mas não se contentam em deixar as decisões a respeito de tudo  nas mãos dos representantes eleitos. Mas não são contra os partidos. Não querem abolir nem substituir o papel desempenhado pelos partidos. Talvez aqui exista uma outra concepção de democracia: não é nem a democracia representativa, do tipo, votei e paro de me preocupar, e nem uma democracia direta stricto senso. É a ideia de que a política é feita todo dia, por todo mundo. É a reação às injustiças sociais e desrespeitos indenitários cometidos diariamente, e que de quando em quando são exacerbados e acabam por virar lei: o aumento no valor do transporte público, legislações sobre o aborto, leis que tratam da homossexualidade como doença, e assim por diante.
É uma maneira de se organizar em torno de valores compartilhados, e que são retrabalhados e refletidos no contexto desses grupos. E, é claro, muitas pautas são transversais, são compartilhadas por vários desses movimentos e representam a visão de mundo de muitas pessoas. É um pouco isso o que aconteceu com os protestos diante do aumento das passagens: por todo o país já havia muitos grupos mobilizados e refletindo sobre as várias decisões políticas, inclusive com discussões intensas sobre o significado do espaço público e a questão da mobilidade. Quando governos municipais por todo o lado anunciam que vão aumentar o preço de um serviço que já é altamente precário, o movimento ganha uma força inimaginável. São pessoas que já aderiam a essa causa e que têm um alto poder de mobilização viabilizado, é claro, pelas redes sociais. Trata-se de uma causa considerada justa por uma parcela imensa da população, que leva muita gente pras ruas, por causa de 20 centavos.

Segundo Ato: Os Estudantes Baderneiros e a Sociedade de Bem
A consequência inevitável de uma reivindicação que conquista muito adeptos e que não é atendida é, evidentemente, o protesto. E protestar, nesses casos, não é coisa apenas de Facebook e Twitter. Sim, essas são plataformas importantes, de troca de ideias e de mobilização. Mas a coisa acontece, mesmo, quando se toma as ruas. Com isso surge um fato inteiramente novo: os indivíduos que antes estavam isolados, ou que atuavam em pequenos grupos, agora se reúnem numa grande massa. Caminham juntos, cantam juntos, batucam juntos, gritam juntos. Aqui, ocorre uma metamorfose. Aquelas ideias que eram consideradas boas e justas, transformam-se nos valores últimos e irredutíveis, adquirem um caráter praticamente sagrado, inviolável. E os indivíduos sentem-se mais fortes: aquilo que ele é no grupo não é o mesmo de quando ele está sozinho. E tudo o que é produzido nesse contexto passa a ser investido dessa energia extraordinária.
Trata-se do processo que na sociologia é chamado de efervescência coletiva, um fenômeno que tem um caráter dinamogênico. A ideia de dinamogenia, oriunda da biologia, significa uma alteração das funções orgânicas em função de uma intensa elevação do tônus vital, engendrada por uma superexcitação. Os momentos de manifestação são momentos de efervescência por excelência, são momentos nos quais tudo parece fazer sentido, o indivíduo experiência uma energia enorme, e isso faz com que a causa pela qual ele lute se torne a coisa mais importante de sua vida, ao menos naquele momento. E o que é mais importante é que  essas situações de efervescência podem fazer com que os indivíduos sejam capazes de atos heroicos inimagináveis, mas também de atos destrutivos. É impossível prever o rumo das coisas, e é difícil saber como cada indivíduo reage a essas situações.
Seja como for, a experiência de tomar parte numa manifestação desse tamanho é algo transformador, inesquecível e que os indivíduos não querem que acabem. E, de fato, para que os valores gestados nesse contexto continuem a ter esse mesmo apelo, é realmente necessário reviver periodicamente esses momentos, para renovar a fé nesses ideais. E isso garante uma continuidade do movimento e, inclusive, faz com que ele cresça.
Mas, evidentemente, a tomada das ruas tem uma outra consequência: a reação por parte de quem tem sua rotina perturbada. Quem não está lá dentro, quem não partilha dessa causa, vê nessas manifestações nada mais do que um incômodo. E as pessoas que param suas vidas pra fazer esse tipo de coisa, só pode mesmo ser um bando de estudantes desocupados, com a vida garantida, que só querem farra e atrapalham a vida dos cidadãos de bem que precisam trabalhar.
E, diante desse diagnóstico, fartamente reiterado pela grande imprensa, é mais do que natural que os cidadãos de bem queiram a ordem, o que implica acabar com o bloqueio do trânsito e qualquer outra coisa que interfira na rotina. E quem é responsável por restaurar a ordem? A polícia, evidentemente.
Num determinado momento, a polícia não apenas reage diante de situações consideradas ilegítimas [como pichações, depredações e afins], mas faz algo mais do que isso: faz uso da força [com todo o aparato à disposição] para conter a própria manifestação, como se a manifestação, em si mesma, fosse um ato ilegítimo. Refiro-me, evidentemente, ao dia 13, em São Paulo. Ninguém foi poupado. Não importa quem fosse ou o que estivesse fazendo, sobrou pra todo lado.
As cenas registradas feriram de tal modo a consciência pública, provocando até mesmo a reprovação por parte de organismos internacionais, que ficou difícil aceitar essa ação como legítima. Ficou difícil aceitar que o desejo de ordem valesse mais do que o Estado de Direito, que os Direitos Humanos, que a liberdade de expressão democrática. E é aqui que começa a reviravolta nessa história.

Terceiro Ato:  Não é só sobre 20 centavos é sobre tudo
No dia seguinte ao evento que acabou de ser narrado, os meios de comunicação, de forma quase milagrosa (?) começaram a contar novas versões sobre o movimento: houve desrespeito por parte da polícia. Os cidadãos de bem devem se mobilizar contra as arbitrariedade. O movimento é legítimo. Os cidadãos de bem devem fazer parte do movimento, para lutar por um Brasil melhor, contra a corrupção, contra tudo. Uma onda de patriotismo invade o país. Parece que todos voltam a sentir o pertencimento à nação e querem fazer parte desse momento histórico. Ou, dessa grande festa. Até mesmo jovens que nunca passaram perto de uma manifestação aderem ao movimento, o que, em princípio poderia ser algo muito positivo.
Diante das centenas de milhares que tomam as ruas, vê-se por todo lado a felicidade porque o gigante acordou. Entre sexta e segunda feira, algo aconteceu que o país acordou. A imprensa que antes tecia comentários depreciativos, agora exalta o movimento, a plenos pulmões. A grande pergunta é: o que aconteceu?
Creio que ninguém em sã consciência acredite que isso significou uma tomada de consciência por parte da imprensa. Houve, sim, um golpe de mestre. Podemos aqui recorrer a uma metáfora. Em vez de bater de frente contra uma força opostas a seus interesses, recorreu-se a algo que constitui o princípio fundamental de artes marciais: eu não bato de frente, eu absorvo e devolvo essa energia na outra direção. O que derruba o oponente é a força que ele mesmo engendrou. Simples, efetivo, genial.
Ou seja, em vez de criticar as manifestações, transformaram-na em algo a favor de seus interesses, e incentivando uma massa ainda maior de pessoas a tomar parte nelas. A efervescência que já era grande tornou-se gigante. E aqui é preciso introduzir uma consideração absolutamente crucial: a efervescência é, em si mesma, neutra. Ela é uma energia que pode criar, conservar ou destruir. Ela confere um caráter de sacralidade a qualquer ideal que os indivíduos naquele grupo acreditam. A manifestação não é um lugar de debate, de formação de opinião. É um lugar no qual as opiniões já formadas se manifestam e passam a ganhar uma intensidade antes impensada. E não é difícil de imaginar o que acontece quando há dezenas de pautas numa mesma manifestação. E mais, quando não são pautas apenas diversas, mas contraditórias. Não apenas pautas, mas cosmologias divergentes.
O movimento que começou como algo supra-partidário, mas alinhado com visões de centro-esquerda, e inclusive contando com apoio de partido de esquerda, de uma hora pra outra se veem lado a lado com pessoas que defendem que não se tenha partido ali. E que têm um discurso que é contrário ao governo brasileiro. Contra a presidente da República. Há gritos de Fora Dilma. E, diante disso, dois cenários pareciam possíveis, e que seriam muito interessantes para a oposição: um impeachment, colocando Michel Temer na linha sucessória, ou a derrota nas próximas eleições, preferencialmente com vitória de um candidato de centro-direita.
E se a história já estava complicada desse jeito, a coisa não para por ai. Não são apenas esses os atores em jogo. Como afirmou o cientista político Paulo Peres, esse movimento catalisou toda sorte de insatisfação e abriu a caixa de pandora, de onde tudo pode surgir: apartidários críticos ao governo, anarquistas que têm na depredação do patrimônio uma das formas de atuação, neonazistas que são contra partidos de esquerda, movimento negros, homossexuais, etc. Mas a mídia ainda insiste em mostrar que as confusões são protagonizadas por uma minoria, que o movimento é lindo.
Hoje, quinta feira, dia 20 de Junho, essas diferenças se acirram. A luta sobre os 20 centavos já foi conquistada. As dezenas de pautas continuam nas ruas, com novos desdobramentos. Em São Paulo, agressões entre os próprios manifestantes, especialmente por skinheads e neonazistas. No Rio de Janeiro, atos extremos de depredação a prédios públicos. Em Porto Alegre, uma combinação de uma ação ostensiva da Brigada Militar somada a atos de depredação a pequenos estabelecimentos comerciais, protagonizadas por pessoas que não se consegue identificar. Não se sabe quem são ou o que querem. O sentimento de tensão e insegurança leva a um questionamento sobre tudo o que está acontecendo. Cada qual significa a seu modo o que está acontecendo. Mas, sem dúvida, surge, de todos os lados, uma sensação de que algo não está muito certo.
Hoje mesmo, peguei um taxi onde tive uma conversa intrigante. O motorista, que já foi cara-pintada, afirmou que era a favor da manifestação. Que, na verdade, achava era que se deveria era quebrar tudo em Brasília, tirar todo esse governo de lá. Perguntado sobre quem ele sugeriria que fosse colocado no lugar de Dilma, tenho uma resposta que não esperava: podia ser um militar, que eles não tem essa coisa de política, e poderiam colocar ordem na casa. Nem petistas, nem tucanos, nem qualquer vitória de extrema esquerda, nem de movimento social algum.
Trata-se do paradoxo das consequências. Somos artífices da nossa história, mas as nossas demandas não são as únicas em jogo. Há interesses de todo tipo, alguns deles tem por trás um aparato de propaganda e de investigação além de nossa capacidade de imaginação. Esse é o momento de sermos inteligentes também. É o momento de usar mais a razão do que apenas o sentimento, pois é preciso estratégia, lucidez. É o momento de, mais uma vez, tomar a história com as próprias mãos, fazendo um diagnóstico sério do presente pra conseguirmos construir um futuro no qual sejam preservados aqueles valores que não são mais caros, dentre eles, a liberdade, a liberdade responsável, no sentido mais profundo do tempo, a liberdade de continuar a expressar nossas demandas e nossa visão de mundo.



[1] O presente texto foi publicado dia 21 de Junho de 2013 no site Socionautas, no seguinte endereço: http://www.socionautas.com.br/2013/06/que-diabos-esta-acontecendo-uma-analise.html